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Em quase todas as livrarias encontramos seções de autoajuda, o que nos aponta para uma demanda das pessoas por soluções / métodos que as ajudem a mudar seus comportamentos, atitudes, mentalidades e, consequentemente, melhorar suas vidas. No entanto, apesar das intenções nobres (ou pelo menos, da alegação de suas intenções nobres), a indústria de autoajuda tem alguns problemas sérios facilmente detectados.

No livro Redirect: The Surprising New Science of Psychological Change (2011), Timothy Wilson ilustra o “estado da arte” da indústria da autoajuda com uma comparação divertida onde um cachorro é borrifado por um gambá e fica com um péssimo cheiro, o que, obviamente, incomoda seu dono. Nessas circunstâncias, cada pessoa dá um conselho diferente para remover o odor do cachorro, mas nenhum conselho funciona.

Wilson afirma de maneira anedótica que quando existem múltiplas soluções para um problema podemos desconfiar de que nenhuma delas realmente funciona. É o caso dos diversos conselhos diferentes dados quando um cachorro é borrifado por um gambá e o caso dos diversos métodos encontrados nos livros de autoajuda, como a lei da atração, o segredo, os 7 passos para a prosperidade, os 7 hábitos das pessoas eficientes etc.

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O primeiro problema da indústria de autoajuda, para Wilson, é justamente essa diversidade dos “tratamentos”: se algum realmente funcionasse, muito provavelmente ele se sobressairia de forma estável ou permanente em relação aos demais. Mas a dominância das vendas de um livro de autoajuda sobre os outros é muito impermanente, refletindo mais tendências e modas do mercado (e esforços publicitários da indústria) do que a eficácia de um livro sobre os demais ou uma corrida competitiva por resultados melhores, como poderia sugerir o próprio escopo do tema. Afinal, como afirma Charles Duhigg afirma em O Poder do Hábito: por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios (2012), as pessoas, seus hábitos e anseios são todos diferentes; seria de se esperar que existam diversas fórmulas ou receitas para mudanças de hábitos e de se autoajudar, levando em consideração a infinidade de variações envolvidas num tópico tão abrangente.

Contudo, o quadro que Wilson pinta parece se fechar mais à medida que conhecemos o que é denominado na indústria da autoajuda como a “regra dos oito meses” que afirma que a pessoa com maior probabilidade de comprar um livro de autoajuda é a que comprou um há oito meses. Isso parece, novamente, nos sinalizar para a ineficácia de tais métodos.

Outro problema, estreitamente relacionado com o porquê de tais métodos não funcionarem é que a maioria absoluta dos livros de autoajuda não têm embasamento científico nenhum. Embora a ciência tenha muito a dizer sobre o que pode ajudar as pessoas a serem mais felizes, mais produtivas, mais saudáveis, adotarem estilos de vida congruentes com seus valores, a maioria dos autores não se baseia nos conhecimentos científicos existentes, indo mais por uma linha de misticismo, esoterismo, espiritualidade, e por aí vai.

Wilson afirma que ler um livro de autoajuda é como comprar um bilhete de loteria: em troca de um pequeno preço, obtemos esperança; o sonho de que nossos problemas serão magicamente resolvidos.

Se a indústria de autoajuda apenas vendesse esperança, não seria um grande problema (apesar de enganarem os clientes, estaria fornecendo esperança, um artigo útil para qualquer vida humana). Entretanto, Wilson afirma que, depois de não conseguirem resolver os problemas que queriam resolver ao comprar um livro de autoajuda, muitos leitores se culpam, dizendo a si mesmo que falharam em seguir todas as etapas do método ou que eles são muito problemáticos (entrando na esfera das auto-narrativas que Wilson disserta em seu livro), o que, consequentemente, cria mais problemas de autoestima para os leitores.

Do meu ponto de vista, a indústria de autoajuda está em um estado problemático pelos fatores que Wilson discorre: , engano aos clientes (ou autoengano dos autores?) e embasamento não científico; mas não tem necessariamente motivos intrínsecos para ficar como está. O conceito de autoajuda em si, não tem nada de negativo: é como uma resolução de problemas DIY (Do-It-Yourself) ou um tratamento self-service – o que, com a internet, se disseminou com o conceito de lifehacks: formas de melhorar a vida através de ações realizadas pelas próprias pessoas, ao invés de dependerem da prestação de serviços de terceiros.

De fato, aos poucos, tenho visto até um crescimento (tímido, mas existente) de livros de autoajuda que se baseiam em pesquisas científicas (a psicologia positiva, muito provavelmente teve um papel nisso). E ao menos um pouco da responsabilidade da separação entre a aplicação prática baseada em conhecimentos não científicos (a literatura de autoajuda) e os conhecimentos científicos se deve à própria ciência. Isto porquee enquanto os livros de psicologia descreviam modelos, teorias e sistemas baseados em pesquisas científicas, poucos ou quase nenhum ofereciam implicações práticas para o leitor. Parte da literatura científica era voltada para a aplicação (guias, manuais ou como aplicar) para os profissionais da área, mas pouquíssimos livros tinham implicações práticas para o leitor que não tivesse feito um curso de ciências comportamentais ou sociais e trabalhasse na área. Para o leitor que queria algo mais prático, para aplicar em sua própria vida, sobrava apenas a literatura de autoajuda.

Steven Hayes, o co-criador da Teoria dos Quadros Relacionais (RFT: uma teoria sobre o comportamento e cognição humano simbólico) e da Terapia de Aceitação e Compromisso – uma abordagem de psicoterapia que têm demonstrado cada vez mais resultados –  lançou um livro de autoajuda chamado Get Out of Your Mind & Into Your Life (Saia da sua mente e entre na sua vida, ainda sem tradução no Brasil) com embasamento em suas próprias pesquisas científicas e de outros cientistas da área. Então, acredito que não podemos nos apressar e “jogar o bebê com a água da bacia”.

Um fator que poucos consideram no que diz respeito à ineficácia dos livros de autoajuda como projetos persuasivos é o formato do livro em si. Como veículo de transmissão e compartilhamento de informação e como ferramenta educativa, o livro geralmente cumpre seu papel (a depender, é óbvio,  de diversos fatores, como a didática do autor, estilo literário, redação, conhecimento anterior do leitor, etc).

Mas o livro em si, na maioria das vezes, propicia uma atividade passiva, até mesmo pelas limitações da mídia impressa, o que por sua vez não é uma estratégia tão eficaz para persuasão; principalmente em relação a comportamentos relacionados aos conhecimentos procedimentais (saber como fazer e fazer – principal tópico dos livros de autoajuda), em oposição aos conhecimentos declarativos (saber sobre).

Embora alguns autores acrescentem alguns recursos que propiciam atividades mais ativas, como questionários, exercícios práticos (para fazer no livro ou fora do livro), as limitações do livro como projeto persuasivo se mostram evidentes: saber não é saber fazer, e saber fazer ainda não é fazer. Skinner e Holland, como cientistas comportamentais, já em 1965, levaram esses fatores em consideração ao escrever o livro A Análise do Comportamento no formato de instruções programadas, no qual o leitor deveria ir preenchendo (levando em consideração a necessidade das respostas ativas, ao invés de selecionar uma alternativa) as questões do livro de forma a obter um feedback sobre sua resposta (considerando a consequência das respostas), para depois poder avançar nos tópicos mais avançados que precisavam do conhecimento dos capítulos anteriores  considerando a formação de repertórios mais complexos, constituídos por respostas mais simples adquiridas anteriormente).

De forma geral, o estado atual da indústria de autoajuda nos serve como um lembrete de onde não queremos e não podemos chegar. Embora nossas intenções de influenciar as ações das pessoas por meio do pensamento projetual e dos conhecimentos científicos na forma da arquitetura da escolha sejam nobres, nunca podemos nos esquecer de avaliar se os resultados que geramos estão próximos dessas intenções.

Com a crise econômica (e consequente aumento do desemprego), a queda dos custos de produção de empreendimentos (causados pela mudança do paradigma de produção industrial para o digital), a disseminação da cultura do “empreendedorismo de palco” (a valorização do empreendedor como estilo de vida, que beneficia o setor da indústria que vende cursos, palestras, treinamentos, livros sobre o tema) e consequentemente, o aumento exponencial do “empreendedorismo selvagem” (leia-se: startups com boas intenções, mas que são mais impulsionadas por um otimismo excessivo fomentado pela indústria do empreendedorismo de palco mencionada acima do que por uma visão e propósito claro), existe um sério risco de que tenhamos diversos apps que aleguem ajudar na mudança de determinados hábitos, mas com nenhum resultado superior aos outros. Isso claramente pode gerar algo parecido com a regra dos oito meses da indústria de autoajuda: o usuário mais provável de baixar um app de mudança de hábitos é alguém que baixou um há algum tempo atrás. Além disso, muitas vezes o conhecimento científico utilizado por essas startups é raso, limitado à palestras do TED ou na abordagem de que “não precisamos de modelos ou teorias; os dados nos falarão tudo o que precisamos”, uma vez que a prioridade ao se conseguir investimentos num pitch de elevador não é contratar um cientista comportamental, mas geralmente conseguir verba para campanhas de marketing e com isso aumentar a aquisição de usuários.

Obviamente, isso pode banalizar a indústria de tecnologias persuasivas (que começou sendo até “chata” de tão acadêmica e rigorosa, metodologicamente falando), e indiretamente a arquitetura da escolha. Portanto devemos ficar atentos se nossas nobres intenções não vão colocar em risco todo um setor da indústria promissor.

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