Há um pouco mais de 50 anos atrás, Skinner publicou um artigo denominado “A Ciência da Aprendizagem e a Arte de Ensinar”, no qual dizia basicamente que embora já houvesse conhecimento científico significativo acerca de como o processo de aprendizagem ocorre, o ensino escolar permanecia alheio ao mesmo, mantendo práticas tradicionais, que se transmitiam de geração para geração, mesmo se mostrando ineficazes. Skinner propunha o uso de tal conhecimento científico sobre a aprendizagem na educação escolar, da mesma forma como o conhecimento sobre a física é utilizado na engenharia elétrica, por exemplo. Enquanto a psicologia estava sendo produzida, e a aprendizagem poderia ser abordada de maneira científica, gerando uma tecnologia do ensino (tecnologia não como tecnologia da informação ou digital ou artefato necessariamente, mas como aplicação do conhecimento científico), o ensino ainda era encarado como uma arte. Para Skinner, e para toda uma série de psicólogos e pedagogos que vieram depois dele, ensinar era arranjar contingências (condições ambientais antecedentes e consequentes em relação ao comportamento do aluno) para a aprendizagem. Não seria possível dizer que o professor ensinou, mas que o aluno não aprendeu. O ensino do professor deveria ficar sob controle da aprendizagem do aluno, o que significa que o comportamento do professor deveria ser influenciado pelo comportamento do aluno.

Há algo de podre no reino do design

Assim como o comportamento do professor deve ficar sob controle do comportamento do aluno, o comportamento do designer deve ficar sob controle do comportamento do usuário. Porém, não é este o modelo padrão de trabalho do designer.

O mesmo caminho que leva para o céu leva para o inferno… Um projeto é:

um esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado exclusivo. Os projetos e as operações diferem, principalmente, no fato de que os projetos são temporários e exclusivos, enquanto as operações são contínuas e repetitivas.

Como o designer trabalha em projetos, o seu trabalho (embora possa ser contínuo e repetitivo), é temporário, sendo finalizando após a criação do “produto, serviço ou resultado exclusivo”. Na realidade, o que acontece muitas vezes é que sua participação no projeto é temporária demais (pontual), saindo do mesmo enquanto ele ainda está em execução ou produção para pegar outro projeto. Afinal, o trabalho do designer é projetar o “produto, serviço ou resultado exclusivo” (no sentido de modelo ou esquema, não de produzir o que foi projetado – sim, design é uma palavra puta), mas depois que esse já foi projetado, o projeto continua em andamento, indo para execução por meio de outros profissionais, e os esforços temporários do designer sendo alocados para outro projeto. A consequência disso é que embora o projeto tenha sido criado para alcançar determinado objetivo, o designer não verifica se o seu trabalho alcançou o mesmo.

Um princípio básico sobre o comportamento é o condicionamento operante: o comportamento é seguido de eventos, e alguns desses eventos que ocorrem após o comportamento aumentam (reforçadores) ou diminuem (punidores) a probabilidade deste comportamento. Quando o comportamento produz as consequências, dizemos que há uma relação de contingência entre o comportamento e os eventos posteriores. Quando o evento posterior não é produzido ou causado pelo comportamento, ou seja, quando ele é independente da ocorrência do comportamento, dizemos que há uma relação de contiguidadeentre o comportamento e os eventos posteriores. Quando o comportamento é reforçado acidentalmente (quando a probabilidade do comportamento aumenta devido à ocorrência do evento subsequente, mas sem que haja a produção deste evento pelo comportamento), encontramos o comportamento que chamamos de supersticioso. Nessa relação de reforçamento acidental, agimos como se controlassemos o evento subsequente, mas quando na realidade, não controlamos, a sua ocorrência é independente do nosso comportamento. Embora o comportamento supersticioso seja um fenômeno diferente da superstição (comportamento controlado por descrições de certas relações de contiguidade entre eventos e mudanças ambientais como se fossem relações de contingência), o último freqüentemente tem origem no primeiro. E como uma das funções do ambiente social que chamamos de cultura é o de ensinar comportamentos que não seriam adquiridos individualmente (seja por meio da aprendizagem por observação, da imitação, ou do comportamento verbal), é comum que superstições sejam “transmitidas” de um indivíduo para outro dentro da mesma cultura.
(Observação: o comportamento supersticioso e a superstição são somente algumas considerações da psicologia acerca da fé e assuntos relacionados. A antropologia também considera esses e outros temas relacionados, como rituais e mitos, e suas funções culturais, mas eu não vou abordá-los, porque não vou fingir que tenho conhecimento suficiente para tal. Porém… No último mês, estive em 3 eventos da área – EBAI, Intercon, e Interaction South America – e em um, levantaram a possibilidade de que tais encontros tivessem a função de renovar a fé dos participantes. Lembrei da frase “a religião é o ópio do povo” e do tipo de prática cultural que é mantida pela manutenção do status quo, conhecida como metacontingência cerimonial.)

As práticas do designer, muitas vezes, acabam sendo como comportamentos supersticiosos ou superstições. Algumas práticas são mantidas porque em algum projeto do passado pareceram ser efetivas (“em um projeto, eu fiz x e y aconteceu”). Outras são aprendidas através da comunidade de profissionais (outros designers, supervisores, professores – “faça x para y acontecer” ou “ele fez x e y aconteceu” ou simplesmente “faça x”). Porém, como geralmente, o designer não tem contato direto com as consequências de suas práticas, muitas vezes, o que as mantém são resultados acidentais ou descrições de causalidades ilusórias (relações de contiguidade ao invés de contingência). Quando o projeto produz seus resultados (o que geralmente não é imediato), o designer já está distante, trabalhando em outro projeto, não tendo sua prática consequenciada naturalmente, e como resultado, não sendo modeladas melhores práticas.

Para piorar um pouco mais a situação, o designer do mercado encontra-se quase que totalmente divorciado do pesquisador da academia. Podemos especular sobre diversas razões desse divórcio: a irrelevância das pesquisas produzidas pela academia do ponto de vista prático do mercado, a desconsideração de implicações práticas das pesquisas produzidas pela academia, o orgulho do pessoal do mercado de ser “prático” e não “teórico”, a miopia do pessoal do mercado em enxergar implicações práticas das pesquisas da academia, e por aí vai. O resultado é que não há um diálogo entre as 2 comunidades (parece que falam dois idiomas distintos), de forma que o conhecimento gerado pela academia acaba sendo desperdiçado pelo mercado, não dando base científica para as práticas do designer. E são poucos os designers que possuem um embasamento científico para suas práticas. O design baseado em evidências é algo que a maioria dos designers nem nunca parou para pensar…

Como último agravante, os objetivos do designer são na maioria das vezes abstratos, genéricos ou disfarçados demais, formulados em termos da experiência subjetiva do usuário, que não podem ser verificados e avaliados. O “Teste do Ei Pai” não pode ser aplicado pelo fato do briefing recebido ou coletado pelo designer ser um amontado de generalidades e jargões genéricos. Um pequeno trecho do Alice no País das Maravilhas talvez esclareça o problema:

Alice e o Gato se encontram numa encruzilhada. Alice pergunta:
– Qual caminho devo seguir?
– Isso depende! Pra onde você quer ir?
– Não sei!…
– Ora, então qualquer caminho serve!

Os fatores mencionados acima são, algumas vezes, soluções para um trabalho artístico, mas problemas para um trabalho de engenharia ou de tecnologia. O problema é que o designer não sabe direito quais são seus objetivos, as práticas que ele sabe para alcançar esses objetivos foram muitas vezes aprendidas de modo supersticioso, não sabe se alcançou ou não tais objetivos, e não melhora suas práticas de acordo com os resultados alcançados. O comportamento do designer está sob controle de muitos outros fatores que não o comportamento do usuário.

Para não dizer que não falei das flores

Embora até agora, eu tenha pintado um cenário aterrorizador, acredito que alguns pequenos avanços tenham sido feitos para que o comportamento do designer fique sob controle do comportamento do usuário.

Um avanço no sentido de mudar as decisões de projeto de acordo com o comportamento do usuário foram os testes de usabilidade. Com eles, o designer podia perceber facilmente onde o usuário encontrava dificuldades, e assim poderia mudar tais aspectos problemáticos. Com a prática dos testes de usabilidade (ainda que informais) disseminando-se entre os designers, mesmo que de maneira não contínua, o comportamento do designer acaba ficando sob controle do comportamento do usuário.

Outro avanço, embora em fase inicial, é o uso de ferramentas de monitoramento (web analytics). Com a facilidade do registro e análise dos comportamentos dos usuários pelo site, a área tem avançado, de forma que aos poucos seja iniciado um diálogo promissor com os designers. Desta forma, designers que (paradoxalmente) trabalham em operações (ao invés de projetos) dentro das empresas conseguem acompanhar os resultados de suas práticas e alterá-las, se necessário. E tais resultados, chamados pelos analistas de web analytics de “conversões”, são comportamentos dos usuários, o que transforma o objetivo do designer em algo mais verificável (e até mesmo, possível de ser testado enquanto o produto está no ar, através dos testes A/B ou multivariados). Quase todas as áreas profissionais possuem indicadores ou métricas que norteiam o trabalho do profissional e que mostram se houve progresso ou regresso. Ao monitorar as conversões ou objetivos comportamentais, o designer começa a se orientar para tais objetivos de mais alto nível e que dependem do comportamento dos usuários.

Voltando ao início

A questão do uso está estreitamente relacionada com o conceito de comportamento operante do Skinner ou instrumental para Vygotsky. O conhecimento científico sobre o processo que denominamos como “uso” já está disponível e em fase avançada, tanto na psicologia, quanto na antropologia e outras ciências que têm algo a dizer sobre o assunto. Porém, mesmo assim, o design ainda está mais próximo da arte do que da engenharia. As práticas do designer são aprendidas por meio da experiência ou por meio do ensino de técnicas tradicionais do meio (ou talvez, reciclagens no estilo mais do mesmo para serem vendidas como inovadoras), em um misto de tentativa e erro e superstição.

Voltando ao artigo “A Ciência da Aprendizagem e a Arte de Ensinar”, Skinner, baseando-se nos princípios comportamentais descobertos em suas pesquisas experimentais, formula uma orientação de como transformar o ensino – que como o design, era concebido como uma arte – em uma tecnologia:

Há certas questões que precisam ser respondidas no início do estudo de qualquer novo organismo. Que comportamento deve ser estabelecido? Quais os reforçadores que estão à disposição? Com que respostas é possível contar para iniciar um programa de aproximações sucessivas, que levará à forma final do comportamento? Como podem ser esquematizados com mais eficiência os reforços para manter o comportamento fortalecido?

Essas orientações podem dar uma base inicial para o trabalho do designer também. Porém, é claro, que como nem tudo são flores, Skinner termina o artigo dizendo:

Estamos no limiar de uma época excitante e revolucionária, na qual o estudo científico do homem será posto a serviço dos mais altos interesses humanos.

Skinner referia-se à educação, a qual pode ser considerado facilmente um dos mais altos interesses humanos. Com exceção dos designers instrucionais, creio que os interesses os quais o estudo científico do homem será posto a serviço pelo designer, não serão necessariamente os mais altos interesses humanos (venhamos e convenhamos, a maioria dos designers que trabalham no mercado tem como objetivo comportamental a compra do consumidor como meio de aumentar as vendas de seu cliente ou o trabalho do funcionário como meio de aumentar a produtividade da empresa contratante). Mas explicitando quais são esses interesses, o papel do designer fica claro e ele pode escolher conscientemente entre ficar sob controle desses interesses (privados) ou procurar outros mais elevados e relevantes socialmente (públicos).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

WhatsApp Agende uma sessão