Compartimentos

Para Steven Pinker, autor dos livros Como a mente funciona e Do que é feito o pensamento, categorizar consiste em por objetos e pessoas em “compartimentos mentais”, rotulá-los (dar nome a cada compartimento), e tratar da mesma forma os conteúdos do compartimento.

Quando categorizamos as coisas, reagimos à estas categorias de formas diferentes. Por isso, Stevan Harnad fala que a cognição é uma categorização. Para Harnad, a categorização é uma interação sistemática diferencial entre um sistema sensório-motor (ser vivo) adaptativo e seu mundo. A categorização não é o processo que acontece quando o mesmo resultado (output) ocorre sempre que houver a mesma entrada (input). Categorias são tipos, e a categorização acontece quando o mesmo resultado ocorre com o mesmo tipo de entrada, ao invés de somente a mesma entrada. E um resultado diferencial ocorre com um tipo diferente de entrada. Ou seja, não se trata de apenas uma associação estímulo-resposta, como no condicionamento respondente, pois estamos falando aqui de resultados diferentes entre classes diferentes e resultados iguais intra classe (membros ou exemplares da mesma classe).

Da perspectiva da análise do comportamento, Skinner falava de controle de estímulos, e dos processos comportamentais de discriminação e generalização de estímulos.Na discriminação de estímulos, o sujeito responde de forma diferente (comportamentos com funções diferentes) a estímulos diferentes, enquanto que na generalização de estímulos, o sujeito responde de forma igual ou semelhante (comportamentos com a mesma função – o mesmo operante) frente a estímulos diferentes.

Outro processo comportamental que pode ser usado como explicação / descrição para a categorização é o de formação de conceitos, processo que ocorre quando há a discriminação de estímulos entre duas ou mais classes de estímulos e, ao mesmo tempo, generalização de estímulos dentro de cada uma das classes de estímulos. Nesse contexto, um conceito seria uma classe de estímulos tal que um organismo generaliza entre todos os estímulos na classe, mas discrimina-os dos estímulos em outras classes. Não é a toa que a área de estudos fundada por Jerome Brumer, denominada de aprendizado conceitual – conceptual learning – também se chama aprendizado categórico – category learning.

Um outro processo, um pouco mais “avançado” (no sentido de ser mais trabalhoso), seria a abstração, processo no qual ocorre discriminação baseada em uma propriedade singular do estímulo, independente de outras propriedades, consistindo numa generalização entre todos os estímulos com tal propriedade (exemplo: reação ao vermelho, ao invés de algum objeto específico vermelho). A arte abstrata tenta explorar esse tipo de processo comportamental através das relações formais entre cores, linhas e superfícies para compor a obra, de modo “não figurativo” (não imitando a realidade ou projeção retiniana). A visualização da informação, segundo Manovich pode ser encarada como a nova arte abstrata que (em oposição ao modernismo e romantismo) tem como objetivo tornar apreensível e material ao olho humano algo que não se consegue conceber.

Pinker analisa algumas explicações populares para esse processo de categorização. Uma explicação popular (denominada economia cognitiva) seria de que não conseguiríamos reter todos os estímulos detectados por nossos sentidos, armazenando somente as categorias desses estímulos para reduzir a carga cognitiva envolvida no processo de consolidação da memória. Contra esse explicação, Pinker argumenta que frequentemente, lembramos tanto das categorias quanto de seus membros, logo o objetivo (ou função) da categorização não pode ser o de reduzir o esforço cognitivo, uma vez que este processo aumenta e não diminui a carga cognitiva.

Outra explicação popular seria de que o cérebro é compelido a organizar. Contra essa explicação, Pinker argumenta que a organização como fim seria inútil. Cita um conto de Jorge Luis Borges (A Linguagem Analítica de John Wilkins), onde Borges faz uma referência à uma antiga enciclopédia chinesa (Celestial Emporium do Conhecimento Benevolente) que contém a seguinte taxonomia do reino animal:

  1. os que pertencem ao Imperador;
  2. os embalsamados;
  3. aqueles que são treinados;
  4. porcos não desmamados;
  5. sereias;
  6. os lendários;
  7. cachorros perdidos;
  8. aqueles que estão incluídos nesta classificação;
  9. aqueles que se agitam como loucos;
  10. os inumeráveis;
  11. aqueles desenhados com um pincel de pêlo de camelo;
  12. aqueles que acabaram de quebrar a bilha;

Pinker defende então que a categorização, ao contrário das hipóteses populares, não serve para reduzir a carga cognitiva ou para ser um fim em si mesma. Para ele, a categorização deve ser uma vantagem evolutiva.

Vantagem da formação de categorias

Para Pinker, a principal vantagem evolutiva que os seres vivos têm na formação de categorias é a inferência. Não podemos saber tudo sobre um objeto, mas a partir de algumas de suas propriedades observadas, podemos atribuí-lo a uma categoria e, a partir desta categoria, prever propriedades que não observamos. Ou seja, categorizamos principalmente para prever, além de podermos organizar nosso conhecimento e nos comunicarmos uns com os outros, através destas categorias.

Níveis de categorias

Podemos falar de uma hierarquia entre as categorias, com 3 níveis identificados por Rosch, Mervis, Gray, Johnson e Boyes-Braem. No nível mais alto, temos as categorias superordinadas, que consistem em agrupamentos de categorias de níveis básicos, não baseadas na similaridade perceptiva (tais categorias podem chegar ao nível de categorias abstratas, que não se referem à entidades individuais, mas à alguma propriedade, relação ou estado). No meio, temos as categorias de nível básico, que geralmente, são baseadas em similaridades de propriedades perceptivas. No nível mais baixo, temos as categorias subordinadas, especializações das categorias de nível básico.

Usamos com mais frequência as categorias de nível básico, que possuem o melhor equilíbrio entre a informação e a distinção, representando um meio termo entre o quanto é difícil identificar a categoria e o quanto a categoria é vantajosa para previsão dos atributos de seus membros. Nos níveis mais altos, a informação está ausente (podemos fazer menos predições com uma categoria “ser vivo” do com que a categoria “mamífero” e “ser humano”, respectivamente), enquanto que nos níveis inferiores, o esforço para categorizar pode ser muito grande (precisamos analisar tantos atributos que sobram poucos para prever). Estas categorias de nível básico são as primeiras palavras que as crianças usam para denominar os objetos, e o tipo de categoria que geralmente usamos no dia-a-dia.

Porém, é de se esperar que as categorias subordinadas sejam mais utilizadas pelos especialistas em um determinado domínio de conhecimento (se o del.icio.us de um psicólogo tiver muitos itens com a tag psicologia e poucos com outras categorias inferiores, como inteligência, memória, comportamento, cognição etc, ou o psicólogo não sabe usar muito bem o del.icio.us ou ele não é um psicólogo muito especializado).

Tipos de categorias

Pinker fala que as pessoas formam 3 tipos de categorias.

  1. Categorias fuzzy, contínuas, formadas através de estereótipos: abordadas pela teorias do protótipo e do exemplar
  2. Categorias bem delimitadas, discretas, formadas através de propriedades definidoras: abordadas pela teoria de atributos definitórios;
  3. Categorias híbridas, que misturam os 2 tipos anteriores.

Algumas categorias têm estereótipos, fronteiras nebulosas (fuzzy) e semelhanças de família. Por isso, algumas vezes podemos falar que um bem-te-vi é mais ave do que um pinguim. Para esse tipo de categoria, podemos falar do gradiente de tipicalidade, onde os membros da categoria são ordenados em termos de suas características típicas. Esse tipo de categoria é aquele apresentado pela teoria do protótipode Eleanor Rosch e George Lakoff, na qual a formação de categorias é concebida como o processo de agrupamento baseado em protótipos (um tipo de média ou tendência central, uma coleção de características atribuídas aos membros da categoria – mas não definidoras). Outra teoria que dá embasamento para este tipo de categoria é a teoria dos exemplares, proposta por Nosofsky e Kruschke, que postula que as categorias são compostas de uma série de instâncias ou exemplares, mais do que qualquer descrição abstrata dos mesmos (para a teoria dos exemplares, usamos casos particulares de exemplares de uma categoria que vêm a mente em uma determinada situação). Apenas como curiosidade, para quem quiser saber quais dos 2 modelos (protótipos x exemplares) têm ganho mais evidências experimentais a favor, infelizmente para a maioria dos arquitetos da informação (que só ouviu falar por cima da teoria dos protótipos), é segunda. Nesse tipo de categoria, podemos falar que elefantes são grandes, em relação à animais, mas pequenos em relação à planetas. Ou seja, ser um membro deste tipo de categoria é mais uma questão de grau ou tipicalidade (por isso, o termo “contínuo” usado acima) e de contexto. Em experimentos, descobriu-se que as pessoas respondem mais rapidamente (apresentam um tempo de reação menor) aos membros típicos da categoria do que aos atípicos.

Outras categorias têm definicões rígidas, fronteiras nítidas para indicar dentro ou fora e traços comuns a todos os membros. Por isso, apesar da nossa lógica fuzzy, conseguimos reconhecer que um pinguim é uma ave. Esse tipo de categoria é o mais conhecido na ciência, já que segundo a teoria dos conjuntos, um conjunto pode ser descrito listando os seus elementos ou através da definição de uma propriedade de seus elementos. Este tipo de categoria é apoiado pela abordagem de atributos definitórios, criada por Aristóteles há mais de 2 mil anos. Ou seja, algo ou é ou não é uma ave (por isso, o termo “discreto” usado acima). Um pinguim é 100% uma ave. Uma baleia é 100% um não-peixe.

Algumas coisas são inseridas em ambos os tipos de categorias mentais – “uma avó” pode ser concebida como uma senhora grisalha que faz bolo de chocolate (uma categoria fuzzy), e como a mãe do pai ou da mãe de alguém (uma categoria bem definida). As vezes pensamos em “uma ave” como sendo “uma classe de animais vertebrados, bípedes, homeotérmicos, ovíparos, caracterizados principalmente por possuírem penas, apêndices locomotores anteriores modificados em asas, bico córneo e ossos pneumáticos” (da wikipedia). Outras vezes pensamos em “uma ave”, não por suas propriedades definidoras, mas pelo que estamos acostumados a ver.

Segundo Pinker:

As categorias nebulosas provêm de examinarmos objetos e, sem maior discernimento, de registrarmos as correlações entre suas características. Seu poder de previsão reside na semelhança: se A compartilha algumas características com B, provavelmente compartilha outras. Na realidade, elas funcionam registrando os agrupamentos. As categorias bem definidas, em contraste, funcionam trazendo à luz as leis que determinaram os agrupamentos. Elas escapam às teorias intuitivas que captam as melhores suposições das pessoas quanto ao que faz o mundo funcionar. Seu poder de previsão provém da dedução: se A implica B e A é verdadeiro, então B é verdadeiro.

Categorização das pessoas

Alguns experimentos da psicologia social nos revelam aspectos interessantes da categorização de pessoas.

A mera prática de categorização entre as pessoas (formando grupos nos quais uns pertencem e grupos não pertecem), causa favorecimento do grupo que a pessoa pertence. Em um experimento de Henri Tajfel e John Turner (autores da Teoria da Identidade Social), as pessoas distribuiam mais dinheiro virtual para as outras apenas por saberem que elas tinham algo em comum, como gostar mais das pinturas de Klee ou de Kandinsky.

Outros experimentos revelam também que há uma tendência para perceber os membros de outros grupos como mais similares que os membros do próprio grupo, com exceção dos grupos minoritários, que tendem a perceber os membros do próprio grupo como mais homogêneos.

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