Usabilidade pode ser encarada como facilidade de uso. Ou pode ser encarada como cognição aumentada. Tudo depende dos usuários, objetivos, contexto de uso e critérios de desempenho das tarefas. E das premissas que o designer tem para a usabilidade.

Segundo a definição da norma ISO 9241-11, usabilidade é :

A medida em que um produto pode ser usado por usuários específicos para alcançar objetivos específicos com efetividade, eficiência e satisfação em um contexto de uso específico.

Onde todos as palavras em negrito (a parte do “específico”), depende do que a gente quiser colocar. Assim como funções dependem dos parâmetros passados, a usabilidade depende destas variáveis específicas. A efetividade, eficiência e satisfação do paciente entender sua própria condição através de um monitor médico pode ser péssima. Mas pode ser ótima pro médico diagnosticar a condição do paciente. Se os usuários especificados forem os médicos e não o paciente, e o objetivo especificado for o diagnóstico do paciente e não o entendimento de si mesmo, a usabilidade pode ser avaliada como alta.

A usabilidade como facilidade de uso

Em tempos de e-commerce, onde o Jakob Nielsen é o guru (gerando clones de si mesmo), a usabilidade tornou-se sinômino de facilidade de uso, de compras à prova de idiotas (assim como no início, a função do ornamento era destacar a utilidade do objeto, o design é usado para explicar para que serve o software). O título do livro do Steve Krug ilustra bem este paradigma da usabilidade: “Não me faça pensar”. O desempenho desejado neste contexto de uso é o consumo rápido e desenfreado. E os usuários são idiotas que não gostam de pensar. Neste contexto, prevalecem 2 princípos de UX:

  1. A definição de “experiência do usuário” é: o que dá dinheiro para outra pessoa que não seja o usuário;
  2. A métrica mais confiável de usabilidade é: o dinheiro que o usuário dá ou economiza para outra pessoa.

(Observação: sejamos justos com os meus colegas que trabalham em empresas de desenvolvimento de softwares corporativos e não em agências web ou produtoras servis às agências de publicidade: vocês também têm como objetivo fazer o funcionário dar mais dinheiro pro patrão dele)

“Não me faça pensar”? Não deveria ser “me faça pensar melhor”? Isso me faz lembrar uma história do mundinho da publicidade: Tem gente achando que você é analfabeto, e você nem desconfia.

Cognição aumentada

Outra lembrança. Uma frase do Douglas Engelbart:

Se facilidade de uso fosse o único requisito, nós todos estaríamos andando de triciclos

Outro dia li um texto que falava sobre os objetivos que o Douglas Engelbart e o Alan Kay tinham ao criar o mouse e as WIMPs, respectivamente. Longe de ser à prova de idiotas, o que eles queriam era aumentar a eficiência e as capacidades humanas.

O telescópio permitiu que Galileu visse as crateras e montanhas da lua, além de ver 4 luas de Jupiter. O microscópio permitiu que Pasteur fizesse várias descobertas, que deram origem à pasteurização. Os inúmeros instrumentos ópticos permitem que o homem veja o que seria impossível ver sem eles. Ou seja, são tecnologias que aumentam a percepção. Sob certas condições (geradas por estes instrumentos, geralmente através de espelhos e lentes), melhoramos ou aumentamos nossa percepção (o que me faz pensar se a “realidade aumentada” não seria apenas um tipo de percepção aumentada).

Um mapa ajudou John Snow, um dos pais da epidemologia, a descobrir os pontos de cólera em Londres e criar a teoria que a cólera era reproduzida no corpo humano através da contaminação de água ou comida. O mapa, neste contexto, pode ser encarado como uma ferramenta cognitiva, como algo que aumenta a cognição humana.

Do ponto de vista psicológico, sob determinadas condições, temos um desempenho fraco em determinadas tarefas. Em outras condições, temos um desempenho melhor nestas mesmas tarefas. Assim, podemos usar a lei de Fitts, a lei de Hick, o condicionamento operante, o efeito de testagem, o efeito Simon, o efeito da modalidade, a compatibilidade estímulo-resposta e outras inúmeras condições para melhorar o desempenho das pessoas em suas atividades (ps. quando digo melhorar o desempenho das pessoas, não quero dizer apenas serem produtivas / escravas do trabalho – a lei de Yerkes-Dodson, por exemplo, pode muito bem ser aplicada no entretenimento interativo)

Se em determinadas condições (fisiológicas, ambientais, psicológicas, sociais – biopsicossociais), o nosso desempenho é melhorado, podemos criar estas condições e com isso aumentar o desempenho das pessoas. Nessa perspectiva, o conceito de “design for behavior” parece fazer muito mais sentido do que os conceitos de “design centrado no usuário” e “design para experiência do usuário”.

Premissas, objetivos e o impacto do design

O que o designer, como qualquer outro profissional que trabalha com a noção de ambiente construído (e influenciando o comportamento das pessoas), tem como opção é evitar as condições em que as pessoas tem desempenhos ruins ou projetar condições que melhorem o desempenho.

A usabilidade e a experiência do usuário, como objetivos do design, podem partir da premissa que são ornamentos, como fatores humanos que explicam para o usuário para que serve o software, para tornar mais fácil o seu uso. É lógico que ao aumentar a facilidade de uso do software, a carga cognitiva é diminuída, podendo ser utilizada para outras questões mais importantes, e consequentemente, aumentando o desempenho nas tarefas.

Ou podem partir de premissas diferentes, como a cognição aumentada (também chamada de AI – Intelligence amplification, cognitive enhancement, AugCog – augmented cognition, ou machine augmented intelligence), ou até de idéias mais viajadas como o transumanismo e os nootrópicos. Interessante (e até mesmo irônico) como o William Ross Ashby, J.C.R. Licklider e até mesmo, o próprio Douglas Engelbart (pioneiros da ciência da computação, que tinham uma concepção similar da Interação Homem Computador) viam o computador como algo que pudesse aumentar a inteligência humana, enquanto hoje, a maioria dos designers ao ver um software têm como único critério de avaliação apenas a facilidade de uso.

Talvez seja uma questão de 2 níveis de usabilidade (ou paradigmas, sei lá), com diferenças na ênfase dada aos termos “usado” e “objetivo” (ver definição acima). O próprio uso do termo “facilitação” pode trazer 2 sentidos para usabilidade. Podemos facilitar o uso de uma interface. Ou podemos facilitar o desempenho de uma tarefa, no sentido de aumentar o seu nível, como no efeito de facilitação social, no qual há uma tendência das pessoas terem melhor desempenho em tarefas simples (ou automáticas ou que possuem bastante experiência) quando são observadas por outras pessoas. Existe um nível de separação entre os 2 tipos de facilitações e os 2 tipos de usabilidade.

O poder do design depende, obviamente, dos requisitos do projeto, mas além disso, das premissas que o designer tem para o objetivo da usabilidade e experiência do usuário como um todo. É tornar o software fácil de ser usado? Ou é aumentar o desempenho das pessoas? A diferença que o design pode fazer é muito mais direta e impactante, caso as premissas sejam as de aumentar as capacidades do usuário ao invés de facilitar o uso de um software.

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