Introdução

Apenas para esclarecer os termos usados neste post…

  • Quando falamos de julgamento, estamos falando de avaliação ou crítica com base em padrões e critérios específicos. Um julgamento geralmente é avaliado por sua acurácia ou correspondência com a realidade.
  • Quando falamos de tomada de decisão, estamos falando de escolher entre diversas alternativas, geralmente após determinado julgamento. Uma decisão geralmente é avaliada por seus resultados.
  • Quando falamos de intuição (ou pressentimentos ou palpites), estamos falando de decisões rápidas que motivam uma ação, sem que a pessoa tenha uma explicação clara e consciente do por que ela estar tomando esta decisão.

Superanálises x Intuições

Recentemente, li 2 livros de posições opostas sobre os papéis que os homens e os computadores devem desempenhar no julgamento e tomada de decisão: Super Crunchers, e O Poder da Intuição.

Super Crunchers, do Ian Ayres, tem como tema a capacidade e a tendência das superanálises criadas pelas enormes quantidades de dados disponíveis com a união de técnicas estatísticas. A tese do autor é a que o papel da intuição e da experiência dos especialistas é de menor acurácia e precisão no julgamento e, consequentemente, tem piores resultados nas tomada de decisões do que essas superanálises. Enquanto os humanos apresentam diversas tendências a erros nos julgamentos, como o viés de confirmação, a negligência da probabilidade, a negligência das frequências de base, o viés de retrospectiva, o viés de suporte à escolha, o efeito de enquadramento, o efeito halo, entre outros, os computadores, por não terem emoções, nem crenças, nem identidades, podem analisar uma quantidade enorme de dados para gerar previsões, através de técnicas como a regressão estatística e testes randômicos.

Em resumo, a regressão estatística explora dados históricos e estima (produzindo uma equação) a relação de uma variável dependente com diversas outras variáveis independentes. Os testes randômicos dividem uma amostra em 2 grupos com diversas variáveis de valores randômicos e insere uma variável de tratamento (independente) no grupo experimental, enquanto não se insere esta variável de tratamento no grupo-controle; caso hajam diferenças (na variável dependente) entre os grupos e elas sejam estatísticamente relevantes, estas podem ser atribuídas à variável de tratamento. O poder do que Ayres chama de “superanálises” deve-se à enorme quantidade de dados históricos disponíveis, no caso da regressão, e pelos tamanhos das amostras, no caso dos testes randômicos.

O Poder da Intuição, do Gerd Gigerenzer, tem como tema a intuição humana. A tese do autor é de que a intuição é um mecanismo psicológico adaptativo que se desenvolveu através da seleção natural e da experiência de vida das pessoas, como uma forma de resolução de problemas simples e rápida, na qual não é necessário esforço consciente, nem cálculos complexos, apenas heurísticas cognitivas que as pessoas usam em certos contextos, como a heurística de reconhecimento, a heurística da escassez, a heurística do contágio, entre outras. Deste ponto de vista, as limitações da cognição humana também seriam suas principais vantagens. Os viéses cognitivos não são distorções somente, mas o fornecimento pela mente de informações sobre o mundo no qual evoluímos e nos desenvolvemos e que a mente toma como premissas. Assim, as ilusões cognitivas seriam como as ilusões ópticas. Quando mudamos as condições na qual a o sentido da visão evoluiu, temos ilusões ópticas. Quando mudamos as condições na qual os módulos cognitivos evoluíram, temos ilusões cognitivas. Mas quando estamos nas condições que o sentido da visão e os módulos cognitivos evoluíram (o que é o mais frequente), a mente fornece premissas que resolvem os problemas com que nos deparamos de modo satisfatórios.

Para Gigerenzer, as heurísticas que produzem as intuições são soluções simples e satisfatórias que resolvem problemas complexos, através das capacidades ou aptidões evolutivas e da estrutura do meio. Se ao invés de usarmos heurísticas simples, fossemos resolver os problemas adaptativos de modo complexo e otimizado, não teríamos chegado onde chegamos, ou seja, não teríamos sobrevivido para contarmos a história. Por isso usamos a intuição para tomarmos as decisões mais importantes no dia-a-dia (com quem casar, onde viver, qual trabalho aceitar e por aí vai).

O 2 autores, embora com posições opostas, não são extremistas e baseiam seus discursos em pesquisas empíricas. Ian Ayres defende que o principal papel dos humanos nas superanálises seria a criação de hipóteses a serem testadas pelos procedimentos estatísticos realizadas pelo computador (embora a quantidade de dados que o computador possa armazenar e processar seja infinitamente maior do que os seres humanos, a criação de hipóteses – geralmente através da intuição humana – ainda é uma premissa das superanálises). Gerd Gigerenzer afirma que as intuições das pessoas podem melhorar a partir do uso de análises estatísticas complexas, mesmo depois que cessem de usá-las, pois os pesos das variáveis a serem analisadas foram redefinidos (as pessoas agora sabem para onde olhar, pois reaprenderam).

A ênfase de Ayres são nas evidências estatísticas, a qual já demonstraram estarem mais certas do que os especialistas (atualmente, existem os movimentos de medicina baseada em evidências e psicoterapia baseada em evidências, que realmente têm melhorado os resultados dos atendimentos). Gigerenzer defende que no que diz respeito ao futuro, apenas parte da informação histórica tem algum valor e não é inteiramente possível diferenciar entre os dados relevantes e os não relevantes.

Inteligências e intuições

Steven Pinker, no livro Tábula Rasa, sugere que a evolução moldou uma série de faculdades ou domínios cognitivos (similares às inteligências múltiplas de Howard Gardner) comuns à todos seres humanos e que teriam como centro determinadas intuições. Abaixo segue uma lista incompleta de tais inteligências (Steven Mithen, no livro A Pré-História da mente, as agrupou em Inteligência Social, Inteligência Linguística, Inteligência Técnica e Inteligência Naturalista):

  • Uma física intuitiva, com a intuição central do conceito de objeto, que ocupa um lugar, existe por um intervalo de tempo contínuo e obedece a leis de movimento e força.
  • Uma versão intuitiva da biologia ou história natural, com a intuição central de que os seres vivos contêm uma essência oculta que lhes dá sua forma e poderes e impele seu crescimento e suas funções corporais.
  • Uma engenharia intuitiva, com a intuição central de que um utensílio é um objeto com um propósito.
  • Uma psicologia intuitiva, com a intuição central de que as outras pessoas são animadas por uma entidade invisível que chamamos de mente ou alma.
  • Um senso espacial, que funciona com base na navegação por estima.
  • Um senso numérico, que se baseia na capacidade de registrar quantidades exatas para pequenos números de objetos (1,2 e 3) e de fazer estimativas aproximadas para números maiores.
  • Um senso de probabilidade, que se baseia na capacidade de computar as frequências relativas (proporções) dos eventos.
  • Uma economia intuitiva, que se baseia no conceito de troca recíproca.
  • Uma lógica e um banco de dados mentais, que baseia-se em afirmações sobre o que as coisas são, onde as coisas estão, ou quem fez o que a quem, quando, onde e por quê.
  • linguagem, que se baseia em um dicionário mental de palavras memorizadas e em uma gramática mental de regras combinatórias.
  • Um sistema para avaliar o perigo, que se baseia na emoção chamada medo.
  • Um sistema para avaliar a contaminação, que se baseia na emoção chamada nojo.
  • Um senso moral, que se baseia em julgamentos de valores.

Como psicólogo evolucionário, Pinker defende que esses modos de conhecimento e intuições centrais são apropriados ao estilo de vida do homem anterior ao sedentarismo (caça e coleta em bandos nômades), e que o pouco tempo de lá pra cá (apenas 10 mil anos aproximadamente) não seria o suficiente para mudanças evolutivas significativas. Por essa razão, apesar da imensa capacidade combinatória (as inteligências poderiam criar interfaces entre si, utilizando-se dos conhecimentos uma das outras), muitas vezes, não são tão adequadas para a compreensão atual do mundo alcançada pela ciência e tecnologia que nos rodeia. As incompatibilidades entre as condições que moldaram a mente humana e as condições atuais têm suas consequências mentais, do mesmo modo que as incompatibilidades entre as condições que moldaram a biologia humana e as condições atuais tem suas consequências físicas.

Desse modo, não seríamos equipados para compreender de modo intuitivo alguns domínios do conhecimento como a física moderna, a cosmologia, a genética, a neurociência, entre outros, ficando dependentes de analogias que apelam para os domínios mentais antigos e já estabelecidos. Do ponto de vista de Pinker, a educação seria uma tecnologia que tenta compensar aquilo em que a mente humana é inatamente inepta (vamos para a escola para aprender a ler, não para aprender a falar), mas que pelas limitações intuitivas, para a maioria das pessoas, a compreensão dessas áreas de conhecimento ensinadas tende a ser superficial e contaminada por intuições primitivas de outros domínios cognitivos.

O Sublime

Faz algum sentido agora nos remetermos ao significado do termo sublime:

O termo sublime, do latim sublimis, entra em uso no século XVIII indicando uma nova categoria estética, distinta do belo e do pitoresco, e remete a uma gama de reações estéticas com a sensibilidade voltada para os aspectos extraordinários e grandiosos da natureza. Para o sublime, a natureza é ambiente hostil e misterioso que desenvolve no indivíduo um sentido de solidão.

A escala do homem é a medida de suas intuições. O sublime ultrapassa esta escala, tornando-se o incognoscível para a intuição. No dia-a-dia, usamos a intuição para as decisões individuais corriqueiras e até para as mais importantes em nossas vidas. Mas não para alcançarmos o conhecimento de aspectos grandiosos da natureza, eventos de outras escalas, como fenômenos coletivos ou de multidão (fenômenos estudados justamente pela estatística) ou fenômenos astronômicos, entre outros. Chega a ser um pouco irônico, mas nossa intuição para o sublime, se existente, é bem pouco confiável. Temos que recorrer à estatística, às superanálises e à outras ciências que compreendemos toscamente.

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